Decisão
do STF legaliza o aborto até o terceiro mês da gravidez?
A decisão da primeira turma
do STF (Supremo Tribunal Federal) de quepraticar
aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime cria
um precedente para que juízes deem sentenças equivalentes em outros
processos sobre o aborto, mas isso não descriminaliza a
prática no Brasil.
Isso
porque a decisão não foi tomada pelo plenário do STF como um todo, o que teria
dado força de lei à medida. O julgamento foi feito por uma turma formada por
cinco dos onze ministros do Supremo.
A
sentença, no entanto, é importante pois pela primeira vez o Supremo
descriminaliza a interrupção voluntária da gestação.
Juízes podem não
considerar crime o aborto feito no início da gravidez mencionando essa decisão
do STF, mas não estão obrigados a seguí-la."
Celso Ferenczi, especialista em
direito constitucional da PUC-SP
Contudo,
decisões que não veem crime no aborto podem ser revistas por juízes de segunda
instância e até mesmo pelo próprio STF.
Para
André Augusto Salvador Bezerra, juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo e
presidente da Associação Juízes para a Democracia, a decisão pode influenciar
muitos juízes de instâncias inferiores, que costumam citar jurisprudência
do STF em suas decisões. "Existe novo precedente, até então inédito,
que descriminaliza o aborto."
Entenda o caso
Na
terça-feira (29), a 1ª turma do STF revogou a prisão preventiva de cinco
pessoas que trabalhavam numa clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias
(RJ).
A
questão girava em torno da existência de requisitos legais para as prisões.
Mas, em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso trouxe uma novidade. Para
ele, as prisões não deveriam ser mantidas porque os próprios artigos do Código
Penal que criminalizam o aborto no primeiro trimestre de gestação violam
direitos fundamentais da mulher.
Outros dois ministros, Rosa
Weber e Edson Fachin, concordaram com Barroso. Para eles, não haveria crime na
prática do aborto. O relator, ministro Marco Aurélio, e Luiz
Fux não se manifestaram sobre a descriminalização.
Juízes podem descriminalizar
A
decisão da turma do STF é vista por especialistas como inédita. De acordo com o
Código Penal, aborto pode ser realizado por um médico apenas quando a gravidez
representa risco à vida da gestante ou quando ela resulta de estupro.
Em
2012, os ministros do STF consideraram que o aborto de feto anencéfalo também
não constitui crime. Eles entenderam que o feto sem cérebro é
"juridicamente morto". Agora, pela primeira vez há na Corte uma
decisão com o entendimento de que não há crime em abortos feitos nos três
primeiros meses de gestação. Essa decisão pode ser usada como orientação por
juízes de outras instâncias, que tenham o mesmo entendimento sobre o
aborto.
Médicos se sentirão seguros para realizarem
abortos?
Em hospitais e consultórios,
médicos enfrentam dilemas éticos frente a situações vividas por mulheres. Para
Mauro Aranha, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo), a decisão da turma do STF não deixa o médico em situação mais
tranquila. "Não alivia e não cria segurança porque não tem poder
vinculante, não é generalizável", diz.
O
médico explica que o código de ética da medicina proíbe procedimentos que não
sejam legais, ao mesmo tempo que diz que o médico não pode se omitir em
situação que colocam em risco a mulher.
Existem situações dramáticas,
em que a mãe não tem condições socioeconômicas, saúde mental ou ambiente
familiar adequados, e procura um médico para realizar um aborto. O médico vai
continuar em conflito porque lei não mudou" Mauro
Aranha, presidente do Cremesp
Para
ele, contudo, a decisão recende do STF abre uma perspectiva promissora.
"Toda criminalização que envolve a saúde afasta os pacientes do médico, e
isso em si é um grande dano". Aranha defende tirar a questão do campo do
crime e colocar no campo da saúde, dos direitos sociais e dos direitos humanos.
"O que não significa que se deva banalizar o aborto. Uma nova lei deve ser
discutida por todos os envolvidos, principalmente as mulheres",
completa.
O que faltaria para a descriminalização ser
geral?
Existem
dois caminhos para que o aborto no início da gravidez seja descriminalizado
definitivamente no Brasil. Um seria por meio da criação de nova lei pelo
Congresso que reformasse o Código Penal. A outra seria com o STF decidindo em
plenário que o aborto em tais condições não é crime.
Para isso, é necessário que
uma entidade com legitimidade para entrar com ações no STF leve os ministros a
debaterem o aborto. Um exemplo é o julgamento no Supremo da possibilidade
de aborto para mulheres infectadas pelo vírus da zika. A
questão levada à Corte pela Anadep (Associação Nacional dos Defensores
Públicos), que questiona as políticas públicas do governo federal na
assistência a crianças com microcefalia, má-formação provocada pelo vírus.
O
STF também poderia editar uma "súmula vinculante", decidindo que o
aborto no início da gravidez é legal em todos os casos, se houver muitas
decisões e habeas corpus nesse sentido. Em todos os casos, o STF precisaria
entender que o Código Penal vai contra direitos fundamentais presentes na
Constituição, como fez o ministro Barroso nesse caso específico.
COLUNISTA
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