O QUE É O CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO
Lavagem de dinheiro
é um processo onde os lucros gerados a partir de atividades ilegais são
“purificados” ou ocultados para que possam aparentar ter origem lícita.
Os responsáveis por esta operação
fazem com que os valores obtidos através das atividades ilícitas e criminosas
(como o tráfico de drogas, corrupção, comércio de armas, prostituição, crimes
de colarinho branco, terrorismo, extorsão, fraude fiscal, entre outros) sejam
dissimulados ou escondidos, aparecendo como resultado de operações comerciais
legais e que possam ser absorvidas pelo sistema financeiro, naturalmente.
Muitas vezes quantias vultosas de
dinheiro são utilizadas em espécie para efetuar o pagamento pela aquisição de
um imóvel, como residências luxuosas, ou automóveis e demais bens de luxo, por
exemplo.
A lavagem de dinheiro pode acontecer
de diversas maneiras, como por exemplo, misturando o dinheiro ilegal com os
capitais legais de uma empresa e apresentando como receita desta, ou também
através de empresas de fachada, que funcionam somente para esta prática.
Outra forma é a cumplicidade de
funcionários de instituições financeiras, que não informam as autoridades sobre
as transações efetuadas.
A lavagem de dinheiro feita via
internet, através de transferências eletrônicas, ou a importação e a
exportação, onde os bens são comprados com dinheiro sujo, sendo mais difícil o
rastreamento, são outros exemplos de dissimulação do capital ilícito.
A lavagem de dinheiro ainda pode ser
feita através do chamado “trabalho de formigas”, quando o dinheiro é dividido
entre muitas pessoas que vão utilizando-o sem despertar suspeitas porque são
valores pequenos.
No Brasil, a
chamada “Lei de Lavagem de Dinheiro” (Lei nº 9.613, de 3 de março de
1998 e Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012) prevê as penalidades sobre os
crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.
A pena para o crime de lavagem de
dinheiro vai de três a dez anos de prisão, além de pagamento de multa que pode
chegar aos R$ 20 milhões.
Antes
de passarmos propriamente dito ao conceito de lavagem de dinheiro, importante
tecer alguns comentários sobre a lei 9.613/98. Essa lei, além de trazer tal
tipificação penal para a lavagem de dinheiro, também criou o COAF (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras) que é um órgão do governo criado
especificamente para esse fim. O COAF é uma unidade de Inteligência Financeira
que tem dupla função, a função reguladora na qual normatiza e aplica penas administrativas e a função de
inteligência financeira na qual recebe comunicações, busca indícios e comunica
o Ministério Público, Polícia Federal, BACEN, PGFN, CVM, SRF, etc., etc.,
quando da suspeita de operações ilícitas.
A
lei 9.613/98 foi recentemente revogada pela lei 12.683 de 9 de julho de 2012. A
inovação que a nova lei trouxe foi justamente ampliar o tipo penal da lavagem
de dinheiro, pois, na lei anterior, haviam apenas alguns tipos penais que se
praticados e houvessem as estratégias de ocultação e simulação,
configurariam o crime de lavagem de dinheiro, enquanto que na nova lei, em
tese, qualquer infração penal, se praticada com a intenção de ocultar ou
dissimular, configura a lavagem de dinheiro. Abaixo, transcrição do artigo 1º
como era na antiga lei e na sequencia como ficou na nova.
CONDUTAS TÍPICAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO
Na
lavagem de dinheiro os núcleos dos verbos são ocultar e dissimular. Ocultar
significa encobrir, esconder. Na ocultação, o agente tem por objetivo afastar
todas as evidências do crime ou a infração cometida quando do recebimento do
bem ou valor, dificultando a procedência do dinheiro ou daquele bem. Para
tanto, valem-se cada vez mais de técnicas sofisticadas para encobrir seus
rastros, v.g., introduzindo o dinheiro no sistema financeiro através de
fracionamentos, diminuição dos valores – daí a expressão smurfing em referência
aos seres fictícios diminutos - ou seja, em pequenas quantias, para desta
maneira não levantarem suspeitas.
Outra
maneira de não levantarem suspeitas quando da lavagem é a utilização de
estabelecimentos comerciais que utilizam grande volume de dinheiro em espécie,
que a primeira vista não trazem nenhuma desconfiança, tais como motéis,
cinemas, bares, restaurantes, e os mais “famosos” de todos, os bingos, sendo
que estes, justamente para evitar a prática da lavagem, foram proibidos em todo
o território nacional.
Já
na dissimulação, para Luiz Régis Prado, “no
primeiro há o mero encobrimento, enquanto no último há emprego de astúcia, de
engano, para encobrir, para tornar imperceptível, ou não visível.”
É o
disfarce, a falsa aparência, onde para alguns autores é a etapa seguinte a
ocultação, enquanto que para outros, trata-se de uma única etapa, já que esse
disfarce, essa falsa aparência, se enquadra perfeitamente quando da ocultação
através, e.g., de um estabelecimento comercial. Para aqueles que defendem serem
etapas distintas, argumentam que no primeiro há mero encobrimento enquanto que
no segundo, há emprego de engodo, artimanha, astúcia, para tornar invisível o
produto do crime.
QUESTÕES CONTROVERSAS DA LEI 12.683/12
Quando
da edição da nova lei de lavagem de dinheiro, houve muitas críticas no mundo
jurídico a começar pela Vacatio Legis. Ocorre que esta lei não teve vacatio, já
que entrou em vigor na data de sua publicação. Muitos juristas defendem que uma
lei penal desta magnitude não poderia entrar em vigor na data de sua publicação
e que, portanto, deveria ter tido um período de vacatio para haver o tempo
necessário de conhecimento de toda a sociedade. Contudo, esse aspecto parece
insignificante dentre outras problemáticas trazidas pela nova lei.
Iniciemos
falando sobre o caput do artigo 1º que eliminou o rol taxativo disposto na lei
anterior, e substituiu a palavra “crime” por “infração penal”, o que significa
que, para que haja a lavagem de dinheiro, esta poderá decorrer também de uma
contravenção penal. O crime de lavagem de dinheiro, também chamado de crime
parasitário - pois depende da ocorrência de outro crime para se configurar –
pela antiga lei, era necessária a prática de um “crime” enquanto que pela nova
lei não haverá necessidade que a conduta antecedente seja crime, podendo ser
mera contravenção penal.
Importante
observar que, a despeito de ter sido suprimido o rol taxativo da lei de lavagem
de dinheiro onde só alguns tipos penais eram considerados como crimes
antecedentes para a perfeita tipificação penal, poderia se inferir que, uma vez
não havendo mais taxatividade, todo crime e toda infração penal poderia ser tipificada
na nova lei de lavagem de dinheiro. Inobstante às inovações trazidas pela nova
lei, concluir que todos os crimes e todas as infrações penais poderão ser
tipificadas na lei de lavagem é algo pueril. Imagine por exemplo o crime de
ameaça, disposto no artigo 147 do Código Penal Brasileiro. Ora, neste crime, o
agente estará recebendo algum bem ou dinheiro? Ganhará ele, monetariamente
falando, alguma coisa? A resposta definitivamente é não, portanto, nesta
situação, não há como lavar dinheiro de algo que não foi recebido.
Ainda
neste sentido, um homicídio simples decorrente de uma discussão de trânsito,
algo infelizmente, corriqueiro em nosso país, haveria em que se falar em
lavagem de dinheiro? Obviamente a resposta para essa situação também é não. Percebem
a problemática? A nova lei dispõe que qualquer infração penal antecedente pode
ser considerada para a prática de lavagem de dinheiro, mas, nem toda infração
antecedente, na prática – com o perdão do trocadilho - poderá ser utilizada
para se lavar dinheiro. O “x” da questão é que, toda e qualquer infração penal
– crime ou contravenção – que produzir ativos, rendimentos financeiros ou
patrimoniais, poderá ser enquadrado na lei de lavagem de dinheiro. Ainda neste
sentido, tomemos como exemplo uma morte por encomenda, pois, se o agente
contratado para cometer um homicídio tentar ocultar ou dissimular o valor que
recebeu da prática daquele crime, nesta situação responderá pela lavagem de
dinheiro ou sua tentativa, além do homicídio, é claro.
Continuando,
a nova lei embora seu objetivo primário seja louvável, pois, pretende acirrar
ainda mais o combate a esse tipo de prática, em sua ânsia por fechar o cerco
contra o crime organizado, trouxe, segundo a opinião do Jurista Sérgio Fernando
Moro, o “risco de vulgarização” – e segundo os penalistas, é uma das
conseqüências mais gravosa da norma – pois, “ainda
que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena
mínima de 3 anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o
organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos.”
Outra
conseqüência nefasta trazida pela lei é quanto ao inciso XIV do artigo 9º da
referida lei, no qual dispõe:
Artigo
9º - Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e
jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade
principal ou acessória, cumulativamente ou não:
XIV
- as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente,
serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou
assistência, de qualquer natureza, em operações:
Pela
redação deste inciso, há uma série de sujeitos novos obrigados, que, dentre
eles, os advogados (e de outras áreas também, como v.g., contadores) que
prestam serviços de consultoria, aconselhamento e assistência. Isso significa
que, ainda que este dispositivo não atinja o advogado na categoria de defensor,
ou seja, militando em ação penal como constituinte de seu cliente, alcança a
atividade do advogado no que diz respeito a serviços de consultoria, quando ele
não está atuando como defensor, mas, como mero conselheiro.
Ainda
que pesem entendimentos contrários, certamente, por esse inciso o advogado é
obrigado, dependendo da situação, a informar ao COAF quanto às verbas
honorárias que receber, sob pena de multa pecuniária, cassação ou suspensão da
autorização para o exercício da atividade, operação ou funcionamento.
Para
quase totalidade da classe de advogados, a parte da lei que determina a
obrigatoriedade aos profissionais da advocacia a prestar informações
ao COAF sobre valores que envolvam operações com seus cientes, é
inconstitucional. Seria uma afronta direta ao livre exercício da profissão que,
segundo a Constituição Federal de 1988 é função essencial a administração da
justiça, bem como o Estatuto da OAB garante ao advogado sua inviolabilidade
profissional bem como o sigilo dos dados dos clientes. Certamente esse tema que
gerou tanta celeuma, ainda trará grandes discussões acerca dos deveres e
responsabilidades dos advogados por força do inciso XIV da nova lei de lavagem
de dinheiro.
Continuando,
outro artigo da lei que também deverá ter sua constitucionalidade questionada é
o 17-D, que diz:
Art.
17-D - Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem
prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz
competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.”
Por
este artigo, caso um servidor público venha a ser indiciado
por lavagem de dinheiro, será afastado de suas funções. Ora, a despeito do
funcionário indiciado não ter sua remuneração suspensa, ainda assim, este
dispositivo fere grotescamente o “princípio constitucional da inocência”, pois,
ninguém será considerado culpado sem o devido processo legal e sem o trânsito
em julgado. Ao afastar o servidor meramente indiciado – o que também fere o
princípio da ampla defesa - de suas atividades regulares, mesmo que ainda
continue a receber sua remuneração, o princípio constitucional da inocência foi
jogado ao vento! Parece-nos que este dispositivo – apenas por discussão, talvez
com a boa intenção de evitar maiores danos à administração pública e trazer
certa moralidade perante a sociedade – é perigoso e prejudicial, pois, como
dissemos, afronta a um dos pilares basilares do estado democrático de direito.
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