Ricardo Pessoa (UTC/Constram) afirmou
em delação que o dinheiro dado para as campanhas eleitorais (do PT, PMDB, PSDB,
PP etc.) era proveniente de corrupção (e outros crimes), sobretudo decorrente
do escândalo da Petrobras. Disse ainda que uma parte das “doações” era “por
dentro da lei” (nesse
caso, as quantias registradas na Justiça Eleitoral constituem crimes de lavagem
de dinheiro sujo, porque ocultam a origem do dinheiro), outra “por fora da lei”(dinheiro
gasto em campanha, mas ocultado da Justiça Eleitoral). Raríssimos são os
políticos e os partidos que deixam de praticar esse fato várias vezes em suas
campanhas. Isso se chama
“caixa 2”. É crime? Não há dúvida que sim. Desde
logo, o famoso “caixa 2"é uma forma de delito de falsidade ideológica (prestação de declaração falsa). No
campo eleitoral está previsto no art. 350 do Código
Eleitoral, com pena de 5 anos de
prisão (se o documento é público). No julgamento do mensalão do PT (AP 470) –
recorde-se que o mensalão do PSDB-MG, em virtude dos clássicos vícios da
Justiça brasileira, até hoje não foi julgado integralmente – vário ministros do
STF recordaram esse ponto. Particular ênfase foi dada pela ministra Cármen Lúcia que reiterou que o “caixa 2” é
crime e bastante
deplorável, sobretudo quando praticado por agentes públicos. “É muito grave
afirmar da tribuna do STF que “caixa 2” é crime e pretender que tudo isso fique
impune”. No âmbito dos delitos cometidos contra a ordem financeira, ele está
previsto no art. 11 da Lei 7.492/86: “manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente
à contabilidade exigida pela legislação”. A pena é de 1 (um) a 5 (cinco) anos e
multa. Mas se trata inequivocamente de crime próprio, ou seja, o sujeito ativo
tem que ser uma das pessoas mencionadas no artigo 25 da Lei de Crimes do
Colarinho Branco. Nos crimes tributários, o “caixa 2” está previsto no art. 1º da Lei 8.137/90. O que não existe no direito penal brasileiro é um crime específico para o chamado “caixa 2 eleitoral”. Se
no Brasil houvesse a certeza
do castigo, a quase totalidade dos crimes de caixa 2 seriam
devidamente punidos pelo art. 350 do Código
Eleitoral (castigando-se o candidato com a perda do mandato
parlamentar).Quando os demagogos querem iludir a população, falam
escandalosamente num novo
projeto de lei para
criar o crime de caixa 2 ou endurecer as penas (76% dos atuais parlamentares
apoiam essa ideia, segundo o site G1). Pura demagogia barata. Nosso problema
(no campo criminal) raramente é de falta de lei. Nós carecemos da certeza do castigo (porque a Justiça funciona muito mal e
pune muito seletivamente os delitos). Muitos são os projetos que estão em andamento no Congresso
Nacional com o objetivo de criar um crime
específico (o do governo
prevê pena de 3 a 6 anos de prisão; também há previsão no projeto do novo CP, com pena de 2 a 5 anos). Todos querem coibir o uso de
dinheiro ou bens em campanhas políticas, sem a devida declaração à Justiça
Eleitoral. Nada disso é realmente necessário. Reitere-se: o art. 350 do Código
Eleitoral já cuida do assunto. Quando, no entanto, uma lei não
funciona, sempre procuramos editar outra (engodo político). O que necessitamos
é aplicar as leis
vigentes. O povo brasileiro conta com cultura altamente permissiva diante do império da lei. Tudo é feito
para burlá-la ou suavizá-la ou escamoteá-la. Nossa relação com as leis
constitui um problema gravíssimo.
Os poderosos de julgam acima da lei;
as classes populares se acham aquém da lei e as classes intermediárias se
posicionam (frequentemente) fora da lei (sonegação de impostos, descaminho,
crimes no trânsito etc.). O problema mais grave é que o “caixa 2” frauda a
legislação assim como o processo eleitoral, porque desiguala os concorrentes. De outro lado,
constitui o “caixa 2” (ou o “caixa 3”, que significa pagar as contas do
candidato nas gráficas, nos postos de gasolina etc.), para além do abuso do poder econômico,
uma das formas de “compra”
do mandado do parlamentar, o que vicia a própria democracia. São essas doações(configuradoras
do “caixa 1 ou 2 ou 3") as grandes responsáveis por formar, dentro do
Congresso Nacional, as famosas bancadas da Bala, da Bola, do Boi
(agronegócio), do Bife (Friboi), da Bíblia, das Betoneiras (construtoras), dos
Bancos, das Bebidas (Ambev, por exemplo), das mineradoras etc. Essas bancadas
não cuidam, em regra, do interesse geral, sim, dos interesses dos financiadores
das suas campanhas. Não construímos em 1988 uma democracia cidadã (respeito aos
direitos de todos). Nossa democracia é apenas ou predominantemente eleitoral (procedimental),
mas quase que completamente viciada,
o que mostra total coerência com os países cleptocratas (Estados governados por bandas podres
de ladrões). Se os ladrões no Brasil fossem enquadrados nas leis vigentes (de
acordo com o Estado de Direito, obviamente) ou se diminuíssem suas
megalomanias, o país seria outro, sobretudo em termos de crescimento econômico,
funcionamento das instituições políticas e financeiras, nível educacional etc.
Nosso futuro seria outro sem as bandas podres que sempre governaram o país. O
problema é que os próprios eleitores contribuem para a prosperidade do ilícito,
reelegendo reconhecidos ladrões para os cargos públicos (Maluf é só um exemplo
dessa vulgaridade irresponsável).
Luiz
Flávio Gomes - Professor
Jurista
e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto
Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001)
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