A proposta de súmula vinculante nº 69
visa agilizar o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade que
tratam sobre a guerra fiscal. É uma iniciativa louvável, mas que possui como
defeito congênito a proposta de atacar o problema pelo sintoma – a
judicialização da guerra fiscal – e não diretamente por sua causa.
INTRODUÇÃO
Notoriamente,
qualquer imposto já é um tema polêmico por natureza. Nas certeiras palavras
GANDRA e CARVALHO (2011, p. 13): “a norma tributária é uma norma de rejeição
social”. Porém, em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS, a temática ganha um tom ainda menos harmonioso.
A emulação entre os
Estados acerca do predito tributo é grande ao ponto de que o próprio
ex-Ministro da Fazenda do governo Luís Inácio Lula da Silva, Guido Mantega,
chegou a proferir que a questão da “guerra fiscal” deste imposto é,
provavelmente, a demanda mais importante que temos em nossos dias, além de ser
também a que traria mais controvérsias ao País (SEMINÁRIO FEDERAÇÃO E GUERRA
FISCAL, 2011).
O contexto de crise
econômica nacional e internacional auxilia para fomentar ainda mais os debates,
sem, contudo, fazê-los tornarem-se mais ameno. Ao contrário: se antes já
praticamente inexistia uma harmonia entre nossas Unidades Federativas, um
contexto de escassez de consumidores apenas contribuiu para uma exacerbação da
concorrência dos mercados (SEMINÁRIO FEDERAÇÃO E GUERRA FISCAL, 2011, p. 19).
Outrossim, o revés
tributário, além de profundo, demonstra-se grande em extensão, haja vista que,
particularmente na última década, nas palavras de GANDRA e CARVALHO (2011, p.
26), a “guerra fiscal” do ICMS contagiou todo o mercado do País, alçando
contorno jamais imaginados e afetando áreas desde as importações ao comércio
atacadista, de forma que, atualmente, praticamente nada restou imune à
competição fiscal nociva.
Ratifica-se aqui as
palavras do doutrinador referido, e ainda com a ressalva de que não só a área
econômica do País encontra-se seriamente afetada por esta “guerra fria”, mas
também as esferas política e jurídica da Nação. Por ora, a Federação
Brasileira, a qual raramente tivera em sua formação inicial um diálogo dentre
os governantes, foi constituída à força, com Estados que, durante a História
Brasileira, em diversas ocasiões, batalharam, sem sucesso, para conseguirem
suas respectivas independências, como nos casos memoráveis da Revolução
Farroupilha, da Inconfidência Mineira, a Revolução Constitucionalista, dentre
outros. Neste contexto de rixa, em nada surpreende que as poucas tentativas de
diálogo das unidades da federação no âmbito fiscal das últimas décadas tenham
sido um desastre, e que imbróglios como a “guerra fiscal” apenas tenha servido
como mais uma confusão em meio ao caos político gerado pela ausência de
consenso entre os estados.
Em resultado a tal
problemática, surgem as mais diversas aberrações legais de tentativas de auto
composição estatal. Dentre elas, se destacam a concessão indevida de créditos
de ICMS às empresas, e a glosa de créditos por parte de outros estados, gerando
lides que, a cada vez mais, empacham o Supremo Tribunal Federal de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, cabendo a estes ministros o papel semelhante
a de pais e mães que resolvem as brigas que suas crianças teimosas têm entre
si. Em resposta a esta conjuntura, os mais diversos pareceres para soluções são
sugeridas. Dentre elas, os mais conhecidos são: a união do ICMS com o Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), criando um novo imposto de âmbito
federal; a aprovação da Proposta de Súmula Vinculante nº 69; a tão egrégia e
remota Reforma Tributária; o retorno das políticas federais para os
desenvolvimentos regionais; e, por fim, o replanejamento da distribuição dos
recursos federais. As expectativas ainda não são das mais agradáveis. Nas
palavras do atual Ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, no SEMINÁRIO
FEDERAÇÃO E GUERRA FISCAL (2011, p. 79): “(...) eu, com quarenta anos de vida
pública e onze mandatos como deputado federal [pelo Estado do Rio de Janeiro],
digo que estou pessimista. Ainda não me parece viável o enfrentamento dessa
questão no Congresso Nacional”. Contudo, ainda com todos os maus presságios, a
procrastinação aqui tende a levar ao caos. Desta forma, a peleja na resolução
do conflito tributário, ainda que laborosa e incerta de resultados
satisfatórios, deve ser a única opção a ser considerada para o alcance do
bem-estar social em território brasileiro.
DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRECEDENTES HISTÓRICOS GERAIS
Nas palavras de
senador Álvaro Dias, no SEMINÁRIO FEDERAÇÃO E GUERRA FISCAL (2011, p. 76), uma
constante que é presente em toda a história da Nação Brasileira são os
conflitos regionais.
É notório que os
movimentos regionalistas são marcas fortes na história brasileira desde o
Império, eclodindo desde sempre movimentos reivindicando aos seus respectivos
estados uma maior autonomia regional.
De fato,
diferentemente do exemplo estadunidense, no qual as Treze Colônias originárias
se uniram voluntariamente para formar uma nova nação (COTRIM, 2012, p. 545), a
Federação Brasileira foi decretada no país em 1898, à época chamada República
dos Estados do Brasil, a pedido do jurista Rui Barbosa, o qual aconselhou este
modelo político em tentativa de apaziguar as demandas regionais, assim
impedindo o esfacelamento do país em pequenos estados-nações, como ocorria à
época com seus vizinhos latino-americanos. Tal medida, eficaz para manter o
país extensão territorial privilegiada para a sua época, não impediu, porém,
que os conflitos locais se arrastassem até os dias de hoje (SEMINÁRIO FEDERAÇÃO
E GUERRA FISCAL, 2011, p. 76).
Traçado em aspectos
gerais a origem da contenda regional, em um ponto de vista especificamente
socioeconômico, aduz FREITAS (2012, p. 32) que o início da configuração atual
do mapa do desenvolvimento brasileiro – o qual trás o Sudeste em posição
privilegiada, e em especial o Norte e o Nordeste como locais periféricos – se
deu a partir da abertura do Porto de Santos em 1808, primeiro porto brasileiro
a ser usado para o comércio com outras nações que não Portugal. À época, o
comércio no país era composto fundamentalmente de commodities agrícolas, tendo
destaque econômico os estados de Minas Gerais, pela exploração do
ouro, e São Paulo, pelo cultivo do café.
Ainda segundo o mesmo
autor, o processo de concentração de rendas no Sudeste somente adquiriu as
proporções exorbitantes atuais a partir da década de 1950, no governo de
Juscelino Kubitschek. À época, o presidente do país trabalhava com convicção de
ser possível a concretização do desenvolvimento econômico do país a partir de
um centro econômico único: São Paulo. Em sua visão, o dinamismo desse centro
espargir-se-ia para todas as outras áreas e regiões do país. Em decorrência
dessa visão a grande maioria dos investimentos públicos em infraestrutura e
empréstimos através do Banco Nacional do Desenvolvimento – BNDE (atual Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES) foram revertidos para o
Estado de São Paulo, assim como a implantação de complexos industriais. Essa
situação deixou a Região Sudeste em excelsa vantagem, em detrimento aos Estados
no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que tinham sua economia com base na
monocultura aliada ao latifúndio e indústria rudimentar.
Porém, a economia dos
demais estados passou a ser ainda mais fragilizada do que antes, enquanto que
São Paulo consolidava-se como estado mais rico do país em absurda desigualdade.
Segundo BRUM apud FREITAS (2012, p. 45):
Ao invés de uma progressiva
distribuição espacial da produção, da propriedade, da riqueza e da renda, como se
esperava nos meios oficiais, verificou-se exatamente o contrário, isto é, uma
forte concentração econômica. O polvo econômico cresceu rapidamente, mas,
sugando as demais regiões com seus tentáculos.
No contexto do século
XXI, segundo FREITAS (2012, p. 45), a Globalização, e principalmente a explosão
do desenvolvimento econômico chinês serviu para acirrar a Guerra Fiscal, haja
vista que os Estados precisavam conceder ofertas muito vantajosas para não
perderem as indústrias para o país asiático.
PRECEDENTES
HISTÓRICOS DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS
Segundo Gilmar
Mendes, no SEMINÁRIO FEDERAÇÃO E GUERRA FISCAL (2011, p. 11), o primeiro
antecessor do atual ICMS foi o Imposto sobre Vendas de Mercadorias, criado em
1923, posteriormente convertido no Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC),
em 1934. Incontestavelmente, neste período, já havia alguma disputa tributária
entre os as unidades federativas, com fortes discussões acerca de alíquotas, e
uma visível urgência de estabelecimento de um sistema tributário capaz de
promover, além de uma boa regulação do ponto de vista fiscal, mas também no
âmbito para fiscal, auxiliando na redução das desigualdades regionais típicas
de nosso país.
Ulteriormente,
concordam CARRAZA (2015, p. 30) e FREITAS (2011, p. 23) que, na Carta de 1967,
houve uma nova e crucial mudança no âmbito do Imposto sobre Consignações, haja
vista que, a este, foram incorporados mais dois tributos: o imposto que tratava
sobre a produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de
lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica, e do
imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
Todos estes impostos, que eram de competência da federação, foram unificados
com e renomeados como “Imposto sobre Circulação de Mercadorias” – ICM, passando
também para a competência estadual.
No dia 7 de janeiro
de 1975, é decretada a Lei Complementar nº 24/75, a qual regulamenta o ICM. No
mesmo ano, foi criado o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), cuja
anuência para a concessão de benefícios fiscais passou a ser obrigatória
(SEMINÁRIO FEDERAÇÃO E GUERRA FISCAL, 2011, p. 11).
Posteriormente, na
Carta de 1988, foi unificado ao ICM o imposto sobre os serviços de comunicação,
e agora, o tributo foi novamente rebatizado como Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços – ICMS.
Assim, por causa
desta jornada histórica de incorporações, FREITAS (2011, p. 24) referiu-se à
redação do novo tributo como sendo um “texto remendado ao longo dos anos”, e
por causa disto, já formado como um imposto com excessivo valor econômico sobre
si, e aplicável a muitas áreas dissemelhantes entre si. É por isso que expõe
VIANA (2011, p. 38) que simples ajuste estruturante do ICMS causa um pânico
dentro da federação, causa uma crise de estabilidade e de oportunidades entre os
estados.
O ICMS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
CARRAZA (2015, p. 20)
nomeia o ICMS em nossa atual Carta Magna como um “imposto recortado”, devido às
diversas incorporações feitas a este para resultar em sua configuração atual.
Conclui-se então que
a sigla “ICMS” abriga pelo menos cinco impostos diferentes, desconformidades
estas caracterizadas pelo fato de que tais “tributos internos” possuem binômios
de incidência e bases de cálculo bastante divergentes entre si, formando desde
modo um verdadeiro “imposto cinco em um”. Desta forma, os impostos dentro do
ICMS são os seguintes, segundo CARRAZA (2015, p. 16):
a) o imposto sobre
operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que
compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de mercadorias ou bens
importados do exterior;
b) o imposto sobre
serviços de transporte interestadual e intermunicipal;
c) o imposto sobre
serviços de comunicação;
d) o imposto sobre
produção, importação, circulação, distribuição e consumo de lubrificantes e
combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e
e) o imposto sobre a
extração, circulação, distribuição e consumo de minerais.
Dentre todas as cinco
hipóteses de incidência, sem quaisquer dúvidas, a de incidência sobre as
operações mercantis é a economicamente mais importante, sendo também a que mais
controvérsias suscita.
As principais
características do ICMS, dispostas no art. 155, §§2º e 3º elencadas por MINARDI
(2016, p. 557) são, de forma bastante resumida:
Critério material
(fato gerador)
|
Realizar operações
de circulação de mercadorias
|
|
Critério espacial
|
Estado do
estabelecimento onde se encontre a mercadoria, no momento da ocorrência do
fato gerador
|
|
Critério temporal
|
Momento da saída da
mercadoria do estabelecimento.
|
|
Critério quantitativo
|
Base de cálculo
|
Preço da mercadoria
|
Alíquotas
|
As alíquotas mínima
e máxima são aquelas definidas por resolução do Senado Federal
|
|
Critério pessoal
|
Sujeito ativo
|
Estado de origem
|
Sujeito passivo
|
Comerciante
|
Ainda há a disposição
da Carta Magna no art. 155, II, que aduz que o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços terá competência estadual.
Acerca da liberdade
para legislar o ICMS, para MACHADO apud CARRAZA (2015, p. 60), esta é escassa,
haja vista que, assim como em todo o Direito Tributário brasileiro, as
especificações determinadas pela Constituição são bastante rígidas e claras.
Para ele, o legislador de cada pessoa política (União, Estados, Municípios ou
Distrito Federal), ao tributar, isto é, criar, in abstracto, tributos,
depara-se com o dilema ou praticamente reproduz o que consta da Constituição –
e, ao fazê-lo, apenas recria, num grau de abstração menor, aquilo que nela já
se encontra previsto – ou, na ânsia de ser original, acaba ultrapassando as
barreiras que ela lhe levantou e ressalva para o campo da
inconstitucionalidade.
É de suma relevância
também abrir um parêntese para, o § 2º, inciso II, do artigo 155 da CF/88, o
qual apresenta o Princípio da Não-Cumulatividade do ICMS.
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